Seminário sobre Saúde Suplementar

Em um ano eleitoral, decisivo para o futuro do Brasil, e em que se discute a sustentabilidade do setor de saúde, o Grupo Fleury e o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) promoveram na quinta-feira, 12 de abril, a 11ª edição do Seminário sobre Saúde Suplementar. No centro da discussão, a importância dos recursos diagnósticos para a redução dos custos.

Na abertura do evento, Paulo Pedote, diretor executivo de Negócios para marcas regionais do Grupo Fleury, levantou três provocações que nortearam, ao longo do dia, os debates entre pesquisadores internacionais, brasileiros e representantes dos principais atores do setor de saúde no país, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed). “Chegamos a um ponto inadiável, que merece nossa reflexão”, afirmou Pedote. “Quais atitudes precisamos adotar para reduzir os desperdícios do sistema; como evitar generalizações que confundem a sociedade sobre o setor; e qual é o peso da etapa diagnóstica na sustentabilidade do sistema?”, completou.

Não há dúvidas de que a evolução dos recursos diagnósticos nas últimas décadas teve papel fundamental na melhoria de indicadores de saúde - a expectativa de vida dos brasileiros pulou de 45,5 anos, nos anos 1940, para 75,8 anos, em 2016. Agora, o grande desafio é como conciliar a velocidade sem precedentes da evolução tecnológica, dependente de grandes investimentos, ao acesso ainda mais disseminado aos recursos diagnósticos. “Precisamos combater o desperdício e a desconfiança”, disse Yussif Ali Mere Junior, presidente do SindHosp. “Todos estamos trabalhando por isso. Acredito em evolução, mas precisamos de uma velocidade um pouco maior”.

Parte da resposta está em desfazer o mito de que os recursos diagnósticos são usados, via de regra, excessivamente. Uma análise de 42 revisões sistemáticas feitas entre 1997 e 2012, conduzida por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, sugere que a subutilização de testes laboratoriais é pouca estudada - e que, mesmo as escassas informações existentes, já sugerem que ela pode ser mais comum do que o uso excessivo. Nos levantamentos analisados, o uso inadequado dos exames de laboratório aparecia em 20,6% dos resultados, enquanto a subutilização ficava evidente em quase 44,8% dos estudos. É uma evidência de que ela pode ter um impacto importante nos sistemas de saúde. “Os recursos diagnósticos têm uma contribuição grande para ajudar a reduzir os custos”, afirmou o médico patologista clínico Wilson Shcolnik, gerente de relações institucionais do Grupo Fleury e presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML).

Os recursos diagnósticos são fundamentais para a prevenção e promoção da saúde, propiciando rápidos diagnósticos que, por sua vez, permitem a início imediato de tratamentos, elevando as chances de obtenção dos desfechos desejados. Eles também são decisivos para definir condutas individualizadas e para gerenciar o tratamento, ao determinar a necessidade de internações e de altas hospitalares.

Os exames mais modernos, ainda que considerados caros, são uma alternativa para reduzir desperdícios com tratamentos inespecíficos e melhorar o desfecho para os pacientes. É o caso do teste Oncotype DX®, um painel genômico para cânceres de mama invasivo e ductal in situ, incorporado em 2015 pelo Grupo Fleury e que já foi incluído nas diretrizes de sociedades de oncologia clínica, como a americana. Em uma pesquisa com 912 pacientes, em 37% dos casos a aplicação do painel mudou a decisão sobre o melhor tratamento. “Vários estudos de utilidade econômica mostram que esse teste é custo-efetivo e economiza recursos”, afirmou o hematologista Edgar Rizzatti, diretor executivo Médico, Técnico e de Processos do Grupo Fleury. “Gostaríamos de ver mais exames de medicina de precisão seguindo esse caminho porque, certamente, contribuem para a sustentabilidade do setor”. A qualidade dos recursos diagnósticos é decisiva na redução dos custos de saúde. “Poucas coisas são mais custosas do que um erro de diagnóstico”, disse Rizzatti. O Grupo Fleury enfatiza o uso de recursos de tecnologia da informação, a aplicação do conhecimento científico e de práticas de boa gestão para contribuir para a sustentabilidade do setor.

A importância da qualidade dos recursos diagnósticos também foi ressaltada pela microbiologista Rosanna Peeling, chefe de pesquisa diagnóstica da London School de Medicina Tropical e diretora do Centro Internacional de Diagnósticos, no Reino Unido. “A qualidade não é negociável e isso tem um custo”, disse Rosanna. “Precisamos de testes mais rápidos, precisos, fáceis de usar, eficientes e que tenham escala. Certamente, alguém será muito esperto para desenvolver isso”, disse Rosanna, tirando risadas da plateia.

Para que os recursos diagnósticos ajudem na redução dos custos, é preciso que avancem com rapidez e eficiência, desde a etapa de desenvolvimento até a incorporação pelo sistemas de saúde. No meio desse percurso, é determinante a atuação dos órgãos governamentais, que analisam a segurança e eficácia – papel que cabe, no Brasil, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “As agências reguladoras devem encorajar o desenvolvimento de novas tecnologias”, afirmou o biomédico americano Elliot Cowan, fundador da consultoria Partners in Diagnostics. Ele trabalhou por 20 anos na Food and Drug Administration (FDA), a agência do governo americano que regula alimentos, drogas e equipamentos médicos e cujas decisões costumam ser consideradas referências para órgãos de outros países. “As agências podem fazer os produtos irem mais rápido e de maneira eficiente no sistema. Mas, para isso, têm de ser flexíveis”, disse Cowan. “Os órgãos reguladores não podem agir isoladamente. Precisam ouvir informações de cada setor, para entender as necessidades dos atores da cadeia, mas sem nunca privilegiar um deles ou sequer dar a sensação de que poderiam fazê-lo”.

Os testes rápidos para detectar a infecção pelo HIV, o vírus causador da Aids, são um exemplo de como é necessária uma certa flexibilidade das agências reguladoras para permitir que ideias fora da caixa se materializem em recursos que salvam vidas. Esse tipo de exame, que aponta a presença ou não do vírus no sangue em apenas meia hora, passou a ser usado pelo governo brasileiro em larga escala nos últimos dez anos. A sensibilidade dele é um pouco menor do que a do exame clássico, feito em laboratório. Porém, permite levar o teste às populações mais vulneráveis à epidemia e que não iriam a um serviço de saúde por medo de estigma e preconceito, como profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e usuários de drogas. Além disso, permite direcionar o paciente diretamente a um serviço de saúde no caso de um resultado positivo, adiantando o início do tratamento e aumentando a aderência. Esses dois fatores significam menos infecções, algo crucial para o controle da epidemia.

“Do ponto de vista de saúde pública, é muito melhor fazer muito mais diagnósticos de HIV do que perder alguns poucos casos positivos pela sensibilidade menor do teste”, afirmou o médico Orlando da Costa Ferreira Junior, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os testes rápidos são um exemplo de como o diagnóstico preciso e precoce pode ajudar a cortar custos de saúde, ao evitar o adoecimento e novas infecções.

Uma vez aprovados, como seguros e eficazes, é necessário decidir quais recursos diagnósticos devem ser incorporados aos sistemas de saúde, seja o público, caso do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, ou o privado, representado pelo rol de procedimentos a serem cobertos obrigatoriamente pelas operadoras de saúde. A velocidade dos avanços tecnológicos torna a decisão cada vez mais importante, mas não elementar. A conclusão do primeiro painel do dia, moderado por Mere Junior, do SindHosp, mostrou que considerar apenas o preço dos recursos diagnósticos isoladamente não é um bom indicador para decidir ou não pela incorporação.

“Individualmente, a tecnologia pode parecer cara, mas, no contexto da saúde, pode trazer economia lá na frente, como desospitalização”, disse Artur Brito, diretor do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde - conhecido como CONITEC. Essa é uma das razões pelas quais Brito considera complexo definir um limiar fixo de custo-efetividade que determine as decisões de incorporação - uma discussão também em voga em outros países. “Algumas tecnologias podem ficar abaixo do limite definido, mas não terem resultados tão importantes quanto outras que passariam do limiar e não seriam incorporadas”, afirmou Brito.

Mesmo exames que, a princípio, parecem baratos precisam ser analisados dentro de um contexto. “Avaliamos até tecnologias de R$ 40 porque o impacto delas pode ser grande”, disse Maria Rachel Jasmim de Aguiar, gerente de assistência à saúde da ANS. Uma tecnologia pode ter um custo menor, mas, se a condição associada a ela for muito disseminada entre a população, o impacto na despesa é elevado. Caso o país trabalhe com um limiar de custo-efetividade como critério de adoção, essa tecnologia poderia não ser incorporada - e grupos inteiros de pacientes ficariam desassistidos. Por isso, é preciso contemplar as necessidades de todos os elos da cadeia de saúde antes de tomar uma decisão. “Parece um cabo de guerra: todos estão disputando nesse setor o tempo inteiro”, afirmou Maria Rachel. “De um lado tem aquele que quer a incorporação, para prestar o serviço, tem o pagador, tem o beneficiário. É preciso buscar equilíbrio entre todas as forças, o que é nosso desafio sempre”.

Para alcançar esse equilíbrio, é fundamental analisar a saúde financeira das operadoras de planos, que têm um papel central no cuidado médico de importante parcela da população brasileira. Hoje, os gastos privados com saúde, que incluem a saúde suplementar, correspondem a 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB). É mais da metade do total - 9% - gasto na área no país. O setor atende 25% da população brasileira. “É um setor pujante economicamente e que tem também importância social”, afirmou Leandro Fonseca, diretor presidente da ANS. Por isso, a redução acentuada de beneficiários, registrada nos últimos três anos, é preocupante. Entre 2014 e 2017, três milhões de brasileiros perderam seu plano de saúde, segundo dados apresentados pelo economista Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), organização sem fins lucrativos que analisa o setor. O encolhimento está diretamente atrelado ao desemprego causado pela crise econômica, já que 67% dos planos médicos são coletivos. “No Brasil, só tem plano quem tem emprego”, disse Carneiro. “Essa redução só se resolverá com a recuperação do mercado formal de trabalho, o que não se sabe quando acontecerá”.

Apesar do preocupante encolhimento da saúde suplementar, dados da ANS sugerem que não há uma distância tão grande entre o crescimento da arrecadação das operadoras e o aumento dos gastos delas com despesas assistenciais. Em 2006, a receita era 1,26 vez maior do que a despesa assistencial das operadoras. Em 2016, a proporção não era muito diferente. A receita foi 1,17 vez maior do que a despesa. Foram R$ 161,6 bilhões em arrecadação e R$ 137,1 em despesas assistenciais. “Os gastos em saúde crescem, mas de maneira paralela à arrecadação“, disse Maria Rachel, da ANS.

Apesar da relação positiva entre arrecadação das operadoras e as despesas assistenciais, há uma tendência de achatamento dessa proporção, o que explica a preocupação das operadoras com a saúde financeira no futuro. Entre 2006 e 2016, os gastos cresceram quatro vezes, enquanto a arrecadação aumentou 3,7 vezes. Os gastos tendem a crescer com o envelhecimento da população. Em 2015, 12,3% dos brasileiros tinham mais de 60 anos. Em 2030, eles serão 20,5%. “Os problemas de hoje são os mesmos de 20 anos atrás, mas agravados, porque os custos subiram”, afirmou Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 18 grupos de operadoras de planos privados.

A inflação do setor de saúde, representada pela variação dos custos médicos-hospitalares (VCMH), calculado pelo IESS, foi de 20,4% em 2016, enquanto a inflação acumulada no país (medida pelo IPCA) foi de 6,3%. Os gastos com exames são uma fatia importante das despesas das operadoras. Segundo o IESS, 62% dos procedimentos cobertos pelas operadoras se referem a exames complementares. Esse gasto (23% dos custos assistenciais) só perde para os relacionados às internações (47%). Por isso, apesar da importância dos recursos diagnósticos na redução dos custos dos sistemas de saúde, também é possível pensar em estratégias que combatam o desperdício. “A combinação da incorporação de tecnologias difusas e do modelo de remuneração por produção, não por resultado, gera grandes distorções”, afirmou Leandro Fonseca, presidente da ANS.

Mudar o modelo de remuneração no setor de saúde é uma discussão internacional. No Brasil, a debate ainda engatinha entre empresas de medicina de grupo e entidades ligadas a hospitais privados. O sistema em uso atualmente, que paga por cada procedimento - exame, droga, serviço -, é criticado porque incentivaria o uso desnecessário de recursos de saúde e, consequentemente, aumentaria a conta do setor. Porém, restam dúvidas sobre o modelo alternativo, que paga por bons resultados. “Quem quer pagar pelo infarto que não ocorreu”, questionou o cirurgião-geral Lincoln Lopes Ferreira, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB). “Existe uma premência por modelos de prevenção, mas não vejo nenhuma premência em pagar pelo o que não ocorreu”.

Em um dos painéis mais concorridos do dia, moderado por Wilson Shcolnik, gerente de Relações Institucionais do Grupo Fleury e presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), ficou clara a importância de todos os elos da cadeia de saúde para reduzir os custos, sem perder a qualidade e sem reduzir a oferta de acesso aos recursos diagnósticos. Os desafios, muitas vezes, são mais de governança do que técnicos, como afirmou Claudia Cohn, presidente do conselho da Abramed. A integração de prontuários eletrônicos poderia reduzir a duplicação de exames, mas esbarra em dilemas entre as organizações. “As empresas estão preparadas para alimentar prontuários eletrônicos, pois já há sistemas técnicos”, disse Claudia. “O problema é: quem será o dono do dado? O concorrente terá acesso aos meus dados? Precisamos todos alcançar essa maturidade”, afirmou Claudia.

A atuação das sociedades científicas e médicas, para promover a educação continuada dos profissionais, também foi mencionada como um dos fatores decisivos para combater o desperdício. O médico radiologista Manoel Souza Rocha, presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Renato Lima, diretor de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) e Luiz Fernando Barcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (Sbac), mencionaram os esforços das entidades. As três Sociedades possuem programas de acreditação: o CBR com o rigor na concessão dos títulos de especialistas, que diz Rocha, deveriam ser mais valorizados, e a SBAC junta-se às demais Sociedades no compromisso de promover a atualização científica e profissional de seus associados.

A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) apresentou sua parceria com o Choosing Wisely, um movimento internacional para combater o mau uso dos recursos de saúde. Wilson Shcolnik, como presidente da SBPC/ML, anunciou uma lista de cinco situações em que o pedido de exame é considerado desnecessário pela entidade: 1) triagem para deficiência de 25-OH-Vitamina D na população geral; 2) exames moleculares para pesquisa de HPV de baixo risco tumoral; 3) exames de processo inflamatório em pacientes ainda sem diagnóstico definido; 4) dosagem de mioglobina ou CK-MB no diagnóstico de infarto agudo do miocárdio; 5) exame genético da APOE como teste preditivo para Alzheimer.

As discussões do dia terminaram com uma provocação interessante de Yussif Ali Mere Junior, do SindHosp. “Temos discutido muito, mas não estamos trazendo resultados práticos. Qual é o comprometimento da sua entidade?”, questionou Mere Junior. “É preciso debater de peito aberto, tirar o chapéu profissional para pensar no que é melhor para a nossa sociedade”.

Um pacto proposto por Carlos Gôuvea, presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial e moderador do painel final, sobre compromissos para o futuro, encaminhou de maneira prática as discussões do seminário. “O valor do diagnóstico não está claro para todo mundo. Precisamos mostrar a contribuição efetiva que esse setor pode propiciar para a assistência à saúde, identificando e reduzindo os gargalos de acesso existentes”, disse Gôuvea. Ele propôs que os próximos eventos das sociedades científicas e das entidades envolvidas nesse debate promovam mesas-redondas sobre o tema. As principais conclusões seriam levadas e apresentadas em uma reunião no Senado, já agendada para meados de agosto. A compilação da importância dos recursos diagnósticos - um white paper - mostra o comprometimento e a disposição do setor para contribuir para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. “As ideias já existem. Só precisam ser consolidadas”, afirmou Gôuvea.

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